Respeito ao próximo
Respeito é direito de todos, independente de cor, classe social, gênero, religião, etc.
Por Marise Jalowitzki
Quando Ivan Norkap veio transferido para a área operacional, a expectativa não era boa. Antes dele, a fama já havia chegado e essa, era de um supervisor autoritário, abusado, por vezes inescrupuloso. O que ele já havia realizado, não sabíamos em detalhes, mas as questões de desrespeito aos subordinados à sua chefia eram a pauta. Humilhações, destemperos, reclamações aos brados e em frente a clientes externos.
A empresa de distribuição de encomendas expressas tinha um dos hangares ao lado de onde eu gerenciava a parte de conferência e informação das expedições, para posterior faturamento. Assim que, quando vi aquela figura alta, homem loiro de olhos azuis inquietos, achei-o bonito e influente. Durou só o instante do primeiro vislumbre. Logo que fomos apresentados, seu sorriso oferecido, quase debochado (tipo: ganho todas!) e o inconveniente e desastroso cacoete de apalpar-se ente as pernas causou aversão instantânea. Assim, nossa desagradável, necessária e indigesta relação profissional, por conta de eventuais conferências e ajustes, executava-se por força dos ofícios.
Seguidamente escutava dos operários da composição dos palets as queixas da arrogância e inexistente empatia para com os problemas do dia a dia. As piadas ao estilo de “puxa o saco, escravo!” enquanto observava os executantes, na maioria pardos e negros, arrastando as pesadas malas de lona até o palet corriam soltas e nenhum gerente parecia ouvi-las. Tínhamos um gestor de recursos humanos em comum e a ele eu me reportava, sempre que sabia de algo desse inescrupuloso teor. A promessa era: “Pode deixar, vou cuidar mais de perto!” Homem bom, mas por demais passivo, Hug apenas corroborava o que sempre se ouvia da área de RH: “São frouxos, não se metem em nada! Querem é manter o seu!”
Dia desses descia o andar justamente quando os dois – gestor e supervisor – estavam sobre o tablado, observando a execução das tarefas dos empregados. Ouvi o vozeirão de Ivan:
- Puxa, puxa o saco, Puxa-Saco! Depois, vem puxar o meu saco, também!
Hug achou engraçado!!! Disfarçou um meio sorriso e balbuciou alguma coisa do gênero: Não diga isso! Mas foi só. Eu ficava indignada com tais grosserias e, impotente, procurava uma maneira de fazer aquilo parar. A ocasião, julgara eu, viria dali a dois meses.
Luiz era um rapaz sério, quieto e tímido, religioso, praticante de seu credo. Não arrumava encrencas no trabalho, não se indispunha com os colegas. Nada de queixas, de nenhum setor. Em determinada manhã, ei-lo em nosso andar, com uma linda menina nos braços, bebê todo cor-de-rosinha recém nascido. Era sua filhinha, uma linda criança, fruto de um casamento de pouco mais de um ano. Feliz, ele ostentava aquele montinho de gente adormecido, com a tiara de flores rosinhas e brancas, olhando para a gente, esperando os merecidos elogios.
Estávamos ali, mais ou menos entre três, mais ele e a menina, naquele burburinho de “ai, que lindinha! Que amor! Deus abençoe!” que sempre está presente quando mulheres se deparam com uma belezura dessas, cândida e esplêndida, como é a realização materna-paterna. Eis que, de repente, ei-lo ali, o supervisor Ivan, provavelmente alertado por alguém, atrás do “seu” empregado que estava em corredor de outra área. Quando viu toda a nossa admiração e harmonia, chegou mais perto de Luiz, olhou bem para o rostinho adormecido, ainda abriu um pouco o cobertorzinho e sentenciou, zombeteiro:
- Muito linda, mesmo! Quando completar quinze anos, tráis aqui pra nóis cumê!
Naquele instante, não quis acreditar no que ouvi. Não podia ser possível que tamanha grosseria, ultrajante e certeira, houvesse sido pronunciada! Olhei para ele. Olhava direto para mim, num sorriso ainda mais largamente debochado, apalpando-se, excitado! As outras gurias, pálidas saíram sem dizer palavra, o pai e seu lindo bebê, mudos.
Exclamei:
- Não é possível! Como ousa! Tudo tem um limite! Isto não pode ficar assim! Afinal, em que idade-da-pedra estamos?
E me dirigi até a sala do gestor operacional de RH. Ele não estava. Mais tarde procurei-o novamente. Assegurou que iria averiguar. Pedi que não fosse apenas isso, que fosse tomada alguma providência.
- Pode deixar.
Duas semanas depois, nada. Nem uma advertência, nem retorno algum.
Como tinha alguns problemas pendentes na sede da regional, aproveitei, naquele dia, para procurar o Gestor Geral de Recursos Humanos, que me ouviu com atenção, relação amistosa a nossa. Após escutar o meu relato, mal pude acreditar no que ouvi:
- Isto não aconteceu! Isto não existe!
Primeiro considerei tratar-se de indignação da parte dele, mas não! Ele tentava ME dissuadir de que o que EU escutara, não era verdade!
- Como assim? Não estou entendendo! Eu ouvi! Eu presenciei, ninguém me contou!
Ele repetiu, impávido, as mesmas frases, desta vez em ordem inversa:
- Isto não existe! Isto não aconteceu! Isso parece ser uma rixa pessoal de vocês dois!
E concluiu:
- Agora, minha querida, vais me desculpar, mas tenho uma reunião importante!
Eram as décadas de chumbo, a ousadia tinha limites bastante estritos a quem desagradasse a hierarquia. Que poderia eu fazer, não sendo sequer da área e estando vários degraus abaixo dele no Plano de Carreira?
Voltei ao meu bairro-local-de-trabalho. Comentamos por um curto espaço de tempo esse e outros incidentes e, depois, fui transferida para a Seção de Desenvolvimento Gerencial. Sem nem mais lembrar desse episódio em especial, alguns meses depois, soube que Norkap havia casado e, quase um ano após, recebi a visita de uma das moças que participavam da equipe, na época da operacional.
- Sabes o Ivan? Aquele desbocado? Ficamos sabendo que ele não pode ser pai. É estéril. Ele mesmo veio contar. Está bem borocochô! Ironia, né? É ou não é castigo?
Como não acredito em castigo, mas em necessidade de aprendizado, fiquei refletindo sobre as lições que a Vida impõe. E de como precisamos praticar a prudência em nossos atos e palavras, sempre, por mais inconsequentes que alguém costuma ser. Pensei ainda mais quando, um novo ano após, ele mesmo veio em nossa sala, mostrar uma linda menina, loirinha, olhos azuis, que ele e a esposa haviam adotado. Após a adoção, descobriram que a garotinha tinha Síndrome de Down. Com certeza, esse rapaz já estava em etapa de evolução espiritual.Seu rosto transparecia a mudança interna. Acolheu a menina com amor, estava convicto da responsabilidade de cuidá-la com carinho e esmero. Aquela criança, também enfeitada com lacinhos cor-de-rosa, sem dúvida, havia chegado àquele lar para ensiná-lo, entre outras coisas, a externar amor, a entender diferenças, a conviver e respeitar limites. Nunca comentei nada com ele sobre a ocorrência anterior, nem comentei com ninguém mais, mas fiquei refletindo.
Respeito - Assédio Moral - Estar em degraus menores na hierarquia não significa, em absoluto, ficar refém das situações.
Este episódio, já o descrevi mais vezes, em outros fóruns. Tornei a descrevê-lo, pelo muito que me chocou, à época, principalmente pela conivência das instâncias superiores, que nada fizeram para inibir e-ou moralizar o ambiente de trabalho. Como ainda me deparo com situações de claro constrangimento, e que nem sempre recebem o devido acolhimento por parte dos envolvidos, considero pertinente voltar ao tema. Esperar que a Mão Divina faça justiça é também uma forma de omissão por parte das autoridades competentes, seja em que setor. É preciso estar cada vez mais atento às questões, subliminares ou escrachadas, de assédio moral. Estar em degraus menores na hierarquia não significa, em absoluto, ficar refém das situações.
Sempre que tenho notícia de algum chefe autoritário que seja absolvido, mesmo quando o caso chega a processo judicial, volto ao constrangimento daquelas décadas em que se ouvia amplamente: Manda quem pode, obedece quem tem juízo! Juízo?¿
Por maior Qualidade de Vida nas Empresas, denuncie! Comente! Procure seus direitos!
Marise Jalowitzki
Compromisso Consciente
compromissoconsciente@gmail.com
Escritora, Educadora, Ambientalista,
Coordenadora de Dinâmica de Grupo,
Especialista em Desenvolvimento Humano,
Pós-graduação em RH pela FGV,
International Speaker pelo IFTDO-EUA
Porto Alegre - RS - Brasil
Postado por Marise Jalowitzki
Fonte: http://compromissoconsciente.blogspot.com/2012/01/respeito-ao-proximo.html
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